Decorreu no passado dia 24 de Maio de 2017, no Auditório 1 da FCSH/NOVA o Colóquio Internacional “Notícias Falsas (Fake-news) e algoritmos: responsabilidade editorial e liberdade de expressão no mundo on-line”, organizado pelo pelo Capítulo Português da Internet Society (ISOC.PT), pela Associação de Estudos de Comunicação e Jornalismo (AECJ) e pelo centro de investigação CIC.Digital da FCSH/NOVA.
As questões de partida para este evento tinham sido já enunciadas no texto de abertura do programa e importa agora retomá-las, antes de uma breve síntese final sobre o decorrer dos trabalhos e as principais conclusões do Colóquio.
1. Questões de partida
A Internet está a provocar uma evolução dos meios de comunicação com repercussões profundas. Numa primeira fase, os media tradicionais introduziram formas de difusão digital dos seus conteúdos, a seguir, os blogs e as redes sociais tornaram mais fácil a intervenção pública e o acesso a conteúdos mais diversificados, por via de agregadores e motores de busca, numa aparente democratização da expressão pública.
Porém, em paralelo, estes novos media passaram a ser usados com objetivos de intervenção e de propaganda, com impacto na formação da opinião pública e na difusão de notícias. Este novo tempo comunicacional é caracterizado pela destruição criativa da intermediação e filtragem, sendo estas substituídas por outras completamente novas, que para além dos defeitos e virtudes da intervenção humana tradicional, socorrem-se de meios de amplificação e manipulação automática, irreconhecíveis pelo grande público, e desconhecidos de uma boa parte dos profissionais de comunicação.
O resultado destas alterações é um processo novo, em curso, com impacto na liberdade de expressão e na forma como são conduzidos os debates públicos. Se esses impactos ainda não são totalmente compreendidos, a prática e os resultados de algumas campanhas eleitorais recentes demonstram a necessidade urgente de se aprofundar a sua compreensão.
Os organizadores desta sessão debate propõem-se contribuir para um debate entre diversos especialistas envolvidos nesta realidade, assim como o grande público, para tentar diagnosticar a transformação em curso e ajudar a desenvolver uma consciência pública sobre a mesma. Desta forma esperam contribuir para a tomada de consciência da necessidade de se tomarem medidas educativas, comportamentais, regulatórias e eventualmente legislativas, que ajudem a desenvolver os aspectos positivos desta democratização, ao mesmo tempo que minorem os seus defeitos e obstem aos abismos que também podem cavar.
2. Temas em discussão e participantes
Sessão 1: Algoritmos: a tecnologia nos bastidores da Web
Apresentação e análise dos algoritmos e outros mecanismos tecnológicos por detrás dos sistemas baseados na WEB. Como são aplicados os algoritmos de pesquisa e classificação da relevância e credibilidade? Serão esses algoritmos neutros? De que forma a tentativa de classificação dos utilizadores (profiling) influencia o resultado? Qual a relação entre os algoritmos e os critérios comerciais dos sites que os usam? Qual o modelo de financiamento das plataformas de suporte dos media digitais informais? De que forma podem ser usados robots que tentam imitar comportamentos humanos, com o objectivo de influenciar opiniões? Quais os métodos automáticos de influenciar a opinião com base em perfis psicológicos? Qual o impacto da tecnologia e os novos media na sociedade?
Moderador – Henrique João Domingos – FCT/NOVA, NOVA LINCS e ISOC
João Magalhães – FCT/UNL e NOVA LINCS – Bolhas de informação: propaganda digital vs confiança digital
Mário Gaspar da Silva – ISOC.PT, IST/UL e INESC – Algoritmos intrusivos
José Luís Garcia – ICS / Univ. Lisboa – Perspetivas críticas sobre a hegemonia cibertecnológica
Sessão 2: Redes Sociais e credibilidade da informação
Análise e debate em torno das redes sociais, blogs, fake news, propaganda, etc. O que é realmente novo nestes media? Os utilizadores distinguem a realidade da ficção nestes meios de comunicação? Repercussões dos mesmos sobre a aprendizagem, a opinião pública, os hábitos de consumo e as modas? Qual a sua relação com a liberdade de expressão e a intervenção do público? Análise de casos concretos de relações entre estes media e a propaganda política?
Moderadora – Carla Baptista – FCSH/NOVA e CIC.Digital
Pedro Magalhães – ICS / Univ. de Lisboa – Os novos meios tecnológicos de mobilização política: alvos e efeitos
António Granado – FCSH/NOVA e CIC.Digital – A credibilidade jornalística e as redes sociais
Carol Delmazo – Jornalista e CIC.Digital – e Jonas Valente – Jornalista e Doutorando Univ. Brasília – Fake news nas redes sociais: propagação e reações à desinformação em busca de clicks
Sessão 3: Jornalismo e media digitais
Análise e debate em torno das transformações que o digital está a introduzir nos media tradicionais. Como funcionam os métodos de garantia de qualidade, fiabilidade e reputação dos media tradicionais e podem estes ser aplicados aos media digitais? Qual o papel das diferentes regulações (oficiais, associativas, …)? De que forma a nova realidade está a ter impacto nas fontes e na verificação da sua validade? Como têm evoluído os modelos de financiamento dos media tradicionais? Qual o impacto do digital sobre o funcionamento dos media tradicionais e sobre a profissão de jornalista? A velocidade do digital tem impacto sobre a qualidade jornalística?
Moderadora – Diana Andringa – Jornalista, CESC-Coimbra e AECJ
José Victor Malheiros – Consultor de Comunicação de Ciência – Um testemunho sobre a transição dos media convencionais para a era do digital
Pedro Coelho – Jornalista e FCSH/NOVA – Credibilidade gera influência – o lucro social do jornalismo de investigação
Philippe Riès – Jornalista, Mediapart (jornal digital de informação e comentário) – um testemunho
Sessão 4: Implicações Sociais e Políticas
Debate aberto sobre as implicações sociais e políticas da situação actual. Liberdade de expressão e o enquadramento constitucional do digital. Há necessidade de novas regulações? Como garantir qualidade, confiança e pluralismo na nova realidade dos media digitais? Repercussões do anonimato na expressão de opiniões? O mesmo deverá ser mantido? Discussão de novas propostas e experiências para incremento da qualidade dos novos media. Os exemplos participativos: Wikipedia e outros similares. Qual o papel dos algoritmos e dos seus promotores? Quais as vantagens e desvantagens do modelo de funcionamento exclusivamente baseado em receitas publicitárias?
Adelino Gomes – Jornalista e investigador e AECJ – Moderador
Rui Cádima – FCSH/NOVA e CIC.Digital – Implicações sociais e políticas do “Algorithmic turn”
Raquel Alexandra – ISOC e FD/Univ. Lisboa – Impactos Juridico-Constitucionais dos Algoritmos e das Normas Tecnológicas
José Rebelo – ISCTE/IUL e AECJ – A rede: dispositivo de libertação e/ou de captura
Pacheco Pereira – Historiador – Não são as Tecnologias que mudam, é o modo como a Sociedade as usa
3. Breve síntese dos trabalhos
Tratou-se em geral de um conjunto de apresentações muito diversificadas, tendo originado um debate muito rico, sobre todos os pontos de vista, e designadamente no entrecruzamento entre as disciplinas mais específicas da computação e as ciências sociais e humanas.
Uma das questões mais em evidência no debate foi o tema jurídico-tecnológico, na intersecção entre as normas técnicas, os modelos e plataformas digitais e os conteúdos propriamente ditos. A questão, discutida no painel de encerramento, tinha a ver com o reconhecimento de que as normas tecnológicas revestem natureza jurídica e que por esse facto o quadro regulatório em geral, e porventura a própria Constituição, devem ser pensadas à luz das novas problemáticas que emergem justamente do atual complexo de normas, protocolos e algoritmos, ou seja, de um certo (des)controlo da Internet. Um tema de grande relevância, a necessitar de debate continuado.
Um pouco em paralelo com este tópico, surgiu também ampla discussão em torno da visão sociológica, ou crítica, das tecnologias (e da Internet) e dos seus impactos sociais, culturais, políticos, etc., face a um ponto de vista mais pragmático que resulta sobretudo de uma visão aplicada do conhecimento e da ciência a determinados sectores, como por exemplo a área da saúde, nas últimas décadas fortemente potenciados pelas ciências da computação, robótica, inteligência artificial, etc. Trata-se aqui fundamentalmente de saber gerar os equilíbrios entre aquilo que é efetivamente uma endogeneização da tecnologia na economia de mercado global, que está seguramente desregulada, face a outra desejável endogeneização dos recursos tecnológicos no social, de forma a que se possa fazer face à globalização da injustiça que vai prevalecendo entre o Norte e o Sul.
Finalmente, o tema das derivas em torno da informação e do conhecimento, o retorno mais complexivo do real vs. ficção, realidades e mistificações nas práticas eleitorais, jornalísticas, declínio da credibilidade do campo dos media e despolitização e falta de mobilização das camadas mais jovens, e ainda os algoritmos intrusivos e os “bots”, a que também se chamou um “algorithmic turn” no plano social, político e tecnológico, e que está a ter impactos críticos nomeadamente na manipulação dos fluxos de informação, quer no campo dos media, quer no campo político, particularmente em períodos eleitorais. Uma agenda que chega para várias legislaturas… Se os algoritmos deixarem…